Apesar de sucesso, Pix tem funcionalidades atrasadas e em discussão

Transações internacionais e off-line ainda não têm data de lançamento; parcelamento com garantia está em fase de desenvolvimento

Idealizada para fazer do Pix um sistema “multiuso”, a agenda de novas funcionalidades da ferramenta tem ao menos seis de nove itens projetados em estágios iniciais de desenvolvimento. Apesar de alguns anúncios já estarem no calendário, como o Pix Automático e o Pix por Aproximação, outras funções como pagamentos internacionais e transações off-line ainda não têm data de lançamento. 

Na chamada agenda de inovação, pelo menos três desenvolvimentos estão em fase de “conversas exploratórias”. Outros três ainda não foram iniciados. As informações sobre o atual estágio de desenvolvimento das novidades foram obtidas pelo Valor via Lei de Acesso à Informação (LAI). 

João Manoel Pinho de Mello, ex-diretor de organização do sistema financeiro e resolução do Banco Central (BC), professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do Opportunity, destaca a característica “multiuso” do Pix e lembra que uma das ideias que já existia desde o início era o Pix off-line, que ainda não tem previsão de lançamento. Pinho de Mello esteve no BC entre 2019 e 2022 e participou do desenvolvimento do sistema de pagamentos. 

Na agenda do BC, o Pix Offline consta como “QR Code gerado pelo pagador”. A ideia é que a pessoa que deseja fazer um pagamento, mas não tem acesso à internet, poderia gerar um QR Code que seria lido pelo recebedor, pessoa ou comércio, para iniciar a transação. O ex-diretor do BC explica que o pagador pode pré-autorizar certa quantia e conseguir comprar em um lugar com sinal ruim de internet, como em um jogo de futebol. “A pessoa da lanchonete tem uma maquininha muitas vezes ligada a um fio, ela consegue ler o QR Code e você consegue comprar, por exemplo, dois cachorros-quentes e três refrigerantes porque você pré-autorizou isso”, disse. 

Outra agenda que está em andamento é a do Pix Internacional. Segundo o BC, o desenvolvimento ainda está em fase de “conversas exploratórias” com outras jurisdições e organismos multilaterais. O centro de Cingapura do hub de inovação do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) está desenvolvendo o Nexus, um modelo que busca permitir que diferentes sistemas de pagamentos instantâneos ao redor do globo possam se conectar. 

O Nexus passou por testes na Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia que, segundo relatório do BIS, resultou em um quadro abrangente de governança, modelo comercial e um diagrama tecnológico. Na próxima fase, a ideia é que o BIS possa apoiar uma coalização de países que tenham interesse em implementar o Nexus. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já citou o Nexus como um sistema que está funcionando bem. 

Edlayne Burr, diretora-executiva e líder de estratégia para pagamentos da Accenture na América Latina, destaca que a implantação de outras tecnologias é importante para criar novas oportunidades de negócios. “Ao simplificar e democratizar o acesso a serviços financeiros por meio de medidas que promovem o uso de tecnologias digitais, o Banco Central não apenas facilita a inclusão financeira, mas também abre novos mercados”, afirma. 

A autoridade monetária ainda está desenvolvendo o Pix Garantido, que permitiria o pagamento parcelado com garantia para quem está recebendo os recursos. O BC informou que vem conduzindo conversas exploratórias internas e que o mercado já oferece soluções a partir de modelos próprios. 

Banco Central não apenas facilita a inclusão financeira, mas também abre novos mercados” 

— Edlayne Burr 

Para Pinho de Mello, a solução para essa questão pode acabar vindo do próprio mercado, que já oferece Pix parcelado. “Esse é um item da agenda evolutiva que, na minha impressão, vai acabar se resolvendo por si só”, disse o professor da FGV. 

Apesar da agenda extensa de inovação, o BC enfrenta problemas relacionados a orçamento e pessoal, como exposto publicamente por membros da autoridade monetária. O custo do Pix vem aumentando nos últimos anos por conta da necessidade de melhorias, ampliação de capacidade e das novas funcionalidades que foram criadas. 

Ao mesmo tempo, o BC passou mais de dez anos sem concurso e o quadro de pessoal diminuiu. Em abril, Campos Neto explicou que chegou a alocar muitos funcionários para a parte de segurança do Pix, o que prejudicou a ala de inovação de novas funcionalidades. Além disso, os servidores passaram quase dez meses em operação padrão entre 2023 e 2024 em uma campanha por valorização da carreira. 

Pinho de Mello destaca que a questão de pessoal já existia quando ele estava no BC e avalia não ter “muita dúvida” que esses problemas tenham afetado direta ou indiretamente a agenda evolutiva. 

Apesar do ritmo lento, há duas novidades previstas no calendário. A primeira é o Pix Automático, que funcionaria para pagamento de contas recorrentes como um débito automático. A atual previsão é de lançamento em outubro deste ano. Já mais recentemente, o BC anunciou mudanças nas regras do open finance que devem possibilitar o pagamento por aproximação via Pix. A previsão é que esteja disponível em fevereiro de 2025. 

“O Pix por aproximação pode competir diretamente com o cartão de débito em transações presenciais, também oferecendo uma experiência de pagamento instantâneo e sem contato – que é cada vez mais valorizada por consumidores e comerciantes”, disse Burr.

Fonte: Valor Economico