Fortunas vão encolher 6% com a crise

Estimativa para o ano, feita pela Oliver Wyman, considera apenas aplicação financeira

Os efeitos da pandemia de covid-19 já têm sido sentidos no segmento de gestão de patrimônio e de private banking. No Brasil, isso deve se traduzir numa redução de 6% na riqueza das famílias com patrimônio financeiro a partir de US$ 1 milhão, para cerca de US$ 300 bilhões neste ano. As estimativas são da Oliver Wyman, feitas em conjunto com a área de pesquisa do Morgan Stanley. 

O cenário base da consultoria prevê para a riqueza brasileira um crescimento composto anual de 13,2% até 2024, para US$ 490 bilhões. O valor considera bens líquidos, como ações, títulos e caixa mantidos localmente e no exterior. Num prognóstico alternativo, de freio mais intenso da atividade e “bear market” (de mercado vendedor), as fortunas podem encolher até 9,4% neste ano e ter uma expansão anual composta de 7,7% até 2024, a US$ 385 bilhões. 

Em cenário de freio mais intenso da atividade e ‘bear market’, riqueza de milionário brasileiro pode cair até 9,4% no ano

Os dados fazem parte de um mapeamento global sobre o segmento de gestão de fortunas, que recebeu o título de “After Storm”. A pesquisa abrange um período em que a pandemia de coronavírus já fazia seus estragos na economia e nos mercados. O recorte de Brasil foi compartilhado com o Valor

Algumas tendências identificadas internacionalmente valem para o mercado local. Com a Selic em 2,25% ao ano, há pressão sobre a margem dos serviços de private banking e gestão de patrimônio. Isso pode ser em parte compensado pela busca de estratégias alternativas e uma maior diversificação no exterior. É o tipo de demanda que requer mais aconselhamento. 

Movimentos de consolidação devem ser observados. Mas depois de as principais gestoras de patrimônio caírem nas mãos de estrangeiros – GPS, Reliance, adquiridas pelo Julius Baer, ou Consenso, pelo UBS -, os participantes do setor tendem a privilegiar agora “parcerias e compra de novas capacidades”, segundo João Rodrigues, diretor de prática de wealth management da Oliver Wyman em Berlim e um dos coautores do estudo. 

“A questão é como vão conseguir crescer pelas novas proposições e parcerias, encontrar formas inorgânicas, e o Brasil é um grande exemplo para isso”, afirma Rodrigues. Ele vê um maior interesse de bancos estrangeiros para aumentar a sua exposição local já que nos mercados mais maduros há menos crescimento para se capturar. E a tecnologia é uma grande ponto. “Muitos private banks simplesmente não têm capacidade, pessoas e instrumentos, que possam levá-los para outros níveis.” As parcerias com fintechs podem ser uma forma de preencher essa lacuna, acrescenta Ivan Farber, diretor da área de serviços financeiros da Oliver Wyman no Brasil. 

Alguns lances recentes apontam nessa direção. O acordo do Credit Suisse para a aquisição de até 35% do banco digital Modalmais ou a compra do controle da Fliper – empresa de tecnologia de consolidação de aplicações em diferentes instituições financeiras sob o conceito de “open banking” – pela XP são exemplos. Um ano atrás o Julius Baer já tinha assumido participação na gestora virtual Magnetis. A Tag Investimentos, por sua vez, selou acordo de administração de carteira com a Pi, plataforma digital do Santander. 

Com a covid-19, o setor de gestão de riqueza sofreu um baque duplo, diz Rodrigues. “No passado, especialmente quando o crescimento do volume de bens líquidos era bem mais alto, muito wealth management não sofria pressão para tratar de custos e otimizar a margem de receitas”, afirma. Agora, com juro baixo e movimento de venda generalizado, a avaliação é que isso fica mais evidente. 

Segundo Beny Podlubny, chefe do private banking da XP, o trabalho feito na fase mais aguda da crise para os mercados, com estratégias de defesa para a carteira, acabaram deixando qualquer questão relacionada a custo em segundo plano. Ele cita, que nessas segmentações, o cliente já paga taxas relativamente baixas, entre 0,4% e 0,6% ao ano do patrimônio. 

O executivo entende que essa é uma questão que ganhou calor globalmente, o que é natural num mundo de juros baixos ou até negativos por um longo período. No Brasil, de fato, o peso do custo para um CDI de 12% é uma coisa, e a 2,25% é outra. Mas ele cita que lá fora o valor cobrado não foge muito das comissões pagas localmente. “É justamente porque o investidor começa a ver onde o gestor adiciona valor.” 

O argumento de que o clube dos ricos privilegia o atendimento presencial ainda vale, mas a digitalização tornou-se elemento vital para trazer eficiência à atividade de gestão de riqueza. “Qualquer operação que não esteja preparada para trabalhar com escala vai ter muita dificuldade para competir e oferecer serviços a custos baratos”, diz Eduardo Ventura, responsável pelo private bank do Citi no Brasil. 

Ele cita que nesse segmento o fato de ter uma estrutura global e conectada é especialmente importante. Com a tendência do brasileiro de buscar alternativas internacionais é preciso reunir os recursos de famílias aqui e de outras localidades para acessar algumas operações, como levantar um fundo de US$ 100 milhões ou aproveitar oportunidades em bens imóveis ou em empresas de capital fechado. 

Depois de ter vendido suas operações no varejo para o Itaú, no Brasil, o Citi usa a estrutura da Guide Investimentos para fazer a sua curadoria, ganhando pela assessoria. Ventura explica que o banco tem mesa própria, mas o modelo é completamente aberto. 

Esse é o tipo de costura que também beneficia a Guide e reforça os planos de expansão da plataforma. Segundo Fernando Cardozo, CEO da Guide, a instituição seguiu contratando “bankers” (os executivos que fazem atendimento para o segmento de fortunas) no primeiro semestre e até o fim de 2021 planeja inaugurar mais duas ou três filiais. 

“Há espaço para crescer no cliente de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões, ainda mal servido em outros lugares”, diz. O tíquete médio da Guide é relativamente alto, de R$ 450 mil, e com a forte queda de juros e maior interesse do investidor em ativos de risco, ele vê oportunidades para buscar também o cliente de varejo. Sem contar os volumes aportados via Citi, a Guide tem um total de R$ 24 bilhões em ativos sob custódia, dos quais cerca de R$ 12 bilhões no segmento de wealth management. 

A empresa tem buscado acoplar outros serviços. Depois de ter assumido os portfólios de wealth da Magliano em 2018, no fim do ano passado adquiriu a operação de administração de fundos da corretora número 1 da bolsa e que hoje não atua mais em nenhuma área. 

Cardozo não fala sobre o assunto, mas a Guide é uma das operações candidatas a passar por uma aquisição, como já foi noticiado pelo Valor. Há interesse do controlador chinês Fosun de encontrar um parceiro estratégico ou até se desfazer eventualmente do negócio. As rodadas de apresentações com potenciais investidores estão em curso. O mercado ficou especialmente aquecido com a desvalorização do real e o interesse de grupos estrangeiros se firmarem no Brasil. 

Comparando-se outros mercados, a margem de receitas das gestoras de fortunas locais é um pouco mais baixa, diz Rodrigues, da Oliver Wyman. Uma das razões para isso é que parte relevante do wealth management está dentro dos grandes bancos privados. Os últimos dados da Anbima mostram que o segmento de private banking fechou maio com R$ 1,257 trilhão, uma queda de 5,7% em relação a dezembro de 2019. 

Outro fator que deixa a margem das estruturas de fortunas comparativamente menor é a baixa participação do crédito nas receitas das instituições. Em maio, o saldo nessa segmentação era de R$ 46,2 bilhões, uma alta de 14,9% em relação ao fim do ano passado. 

Essa é uma frente que a XP começa a explorar, diz Podlubny, da XP. O executivo conta que teve investidor que recorreu ao financiamento para colocar dinheiro na empresa e também quem tenha visto uma oportunidade para alavancar investimentos. “É uma linha nova de receita que vem sendo adicionada ao business.”

Fonte: Valor Econômico