ICMS, do download à nuvem, e a pauta do STF

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, incluiu na pauta do Pleno o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 1945, em tramitação desde 1999. O tema é conhecido: a constitucionalidade da incidência do ICMS nas operações com software, transmitidos digitalmente.

A ação foi ajuizada em face de uma lei do Estado do Mato Grosso, que previu tal incidência. A medida cautelar requerida somente foi julgada em 2010, mantendo-se a tributação.

A expectativa é a de que no próximo dia 22, data prevista para o julgamento, o tribunal enfim decida do tema. O debate envolve a interpretação da materialidade do ICMS e a possibilidade de incidência em contratos que não necessariamente revelam transferência de propriedade – como regra, mas não exclusivamente, o download de software envolve a concessão de licença de uso do bem

Contudo, é bom lembrar que, desde o ajuizamento da ação, houve mudanças significativas não apenas no cenário normativo que envolve o tema mas, especialmente, na tecnologia relativa aos programas de computador. O uso da computação em nuvem, com acesso do programa via internet, sem a presença de download, tem crescido exponencialmente. Nessas hipóteses, ausente qualquer transferência, faria sentido cogitar-se de ICMS?

No ano passado, o Estado de São Paulo manifestou-se pela incidência do imposto nessas operações, postura corroborada pela publicação do Convênio Confaz 106/2017. De outro lado, os municípios têm se amparado na presença de um contrato de licença de uso e nas alterações à Lei Complementar nº 116, de 2003, publicadas no fim de 2016, para fundamentar a cobrança do ISS. Diante desse cenário, a insegurança jurídica é evidente.

Como reação à sobreposição de cobranças, houve o ajuizamento de ADIs em face do Convênio ICMS 106, de 2017, cuja inconstitucionalidade é evidente. A norma cria nova hipótese de incidência para o ICMS, utiliza-se da suposta existência de um “estabelecimento virtual” e desvirtua o conceito possível de responsável tributário, ao atribuir ao usuário o ônus integral de recolhimento do imposto em casos específicos.

Com o julgamento da ADI 1945, portanto, o Supremo resolverá apenas parte do problema – e em sua face mais obsoleta, porque focada na tecnologia que o mercado tem progressivamente abandonado. Some-se a isso o fato de que o referencial normativo da ADI desconsidera a LC 116, que sedimentou a incidência do ISS nos contratos de licença de uso de software.

A injustificável demora do julgamento pelo Supremo resulta em situação anômala: a decisão que eventualmente guiará o julgamento de outras ADIs que envolvem a incidência tributária sobre programas de computador será tomada à luz de cenário normativo e tecnológico defasado e corre o risco de sequer poder ser aplicada aos casos atuais

Uma solução possível seria reunir as ações para julgamento e debate conjunto da tese, pelo bem da coerência. Já não podemos mais esperar, seja em razão da insegurança que assola o mercado, seja em face evolução tecnológica que se impõe.

Fonte: Valor Econômico