Usos (e abusos) da influência
Robert Cialdini, considerado o principal cientista social no campo da influência, foi originalmente atraído para o tema ao constatar a facilidade com que as pessoas ultrapassavam os limites da ética e descambavam para a manipulação ou até o abuso. Seu livro de 2001, Influence, descreveu seis princípios da persuasão e foi eloquente quanto aos perigos de técnicas de persuasão nas mãos erradas. Um popular artigo publicado na HBR naquele mesmo ano (“Harnessing the Science of Persuasion”) examinou o lado positivo da persuasão: como o gestor poderia usar esses princípios para tocar a organização de forma mais eficaz?
Cialdini é professor emérito de psicologia e marketing (RegentsC Professor Emeritus of Psychology and Marketing) na Arizona State University, nos Estados Unidos, além de presidente da consultoria Influence at Work. Nesta entrevista à editora-executiva da HBR, Sarah Cliffe, Cialdini explora o uso diário da persuasão nas empresas e fala de novos estudos sobre a ética da influência.
HBR: Vou descrever um punhado de situações e pedir que o senhor aponte qual seria a melhor maneira de influenciar os outros nessas circunstâncias. Suponhamos, primeiro, que um funcionário esteja tentando agir de forma mais empreendedora. O problema é que precisa de recursos para tirar do papel a ideia. Como conseguir o apoio dos outros?
Cialdini: É preciso um trabalho preliminar. Os outros vão ajudar se sentirem que estão em dívida por algo que você fez no passado para promover as metas deles. É o princípio da reciprocidade.
Cultive o hábito de ajudar os outros e — atenção, pois o que vou falar é muito importante — quando vierem lhe agradecer, não faça de conta que não importa. Nunca diga: “Ah, não foi nada”. Nosso poder de persuasão dispara assim que alguém nos agradece por algo. O certo, então, é responder com algo como: “Claro, é isso o que um parceiro faz pelo outro”. Rotule o que ocorreu como um ato de parceria. Com esse trabalho preliminar, um gerente que mais tarde precise de apoio, de pessoal, quem sabe até de verba, vai ter uma probabilidade de sucesso consideravelmente maior.
O trabalho de Adam Grant sobre a importância do ato de “dar” em organizações também vai por aí, certo?
Vai sim. Grant fez uma análise brilhante. Outro estudo fascinante veio de Frank Flynn, que foi da Columbia University e hoje está em Stanford. Ao examinar o comportamento de colaboração numa grande empresa de telecomunicações, Flynn descobriu que quando alguém ajudava os colegas ocorriam duas coisas. A primeira é que as pessoas que ajudavam eram consideradas de altíssimo valor por quem recebia a ajuda. E a segunda — e aqui o negócio complica — é que a produtividade em seus próprios projetos caía. Ou seja, a pessoa dedicava tempo e energia demais aos problemas dos outros.
Como administrar essa discrepância entre generosidade e produtividade?
Flynn descobriu uma coisa que elevava tanto o valor social de quem colabora como a produtividade dessa pessoa. Não era o número de favores feitos: era o número de favores trocados.
Se aquele que dá a contribuição inicial cria um senso de reciprocidade — a noção de que há uma rede de parceiros não só dispostos, mas loucos por ajudar —, essa pessoa vai receber muito em troca. Pode aumentar a probabilidade de conseguir um grande retorno sobre o investimento ao caracterizar sua ajuda como uma parceria de mão dupla.
Outra situação: um executivo precisa convencer um grupo de que uma grande mudança de rumos é indispensável. O que o senhor sugeriria?
Conduzir as pessoas em meio a um clima de incerteza é difícil — o primeiro que fazem é serem tomadas por uma paralisia, ficarem com medo de tudo aquilo que podem perder. Logo, é bom deixar bem claro às pessoas o que irão perder se não agirem. Daniel Kahneman ganhou um Nobel por mostrar que, na hora de tentar mobilizar os outros em condições de incerteza, a possibilidade de perda é psicologicamente mais forte do que a de ganho. Um gestor pode converter o vento contra em vento a favor se mostrar não só o que todos vão ganhar se seguirem em frente, mas também o que será perdido ou prescindido se ninguém arredar o pé.
Outra coisa que acontece em momentos de incerteza é que a pessoa não busca respostas dentro de si — ela enxerga apenas a ambiguidade e sua própria falta de confiança. O que faz, nesses casos, é buscar, lá fora, fontes de informação que possam reduzir sua incerteza. A primeira coisa que analisa é a autoridade: qual a opinião dos mais entendidos sobre a questão?
Essa pessoa não é necessariamente o chefe. Podia ser alguém que entende mais do assunto.
É uma distinção importante. Não estamos falando de ocupar um posto de autoridade, mas de ser uma autoridade em algo. O gestor precisa reunir evidências de especialistas comprovados, talvez até de fora, que estejam em sintonia com as razões para a iniciativa.
As pessoas também buscam a opinião de colegas. Se durante uma reunião duas pessoas estiverem meio alheias, o gerente não devia acossar as duas, tentando fazer com que entrem no jogo. Devia, antes, buscar um membro respeitado do grupo, alguém que esteja de acordo com o plano, e pedir que essa pessoa intervenha. Em geral, um colega é muito mais convincente do que executivos quando os outros estão tentando decidir como proceder.
Vejamos outro cenário. Num congresso do qual participei há pouco, pediram a uma turma de presidentes que participasse de uma iniciativa importante no plano cívico — importante para o mundo, embora não necessariamente algo que os investidores da empresa fossem aplaudir. O organizador era muito respeitado, mas não tinha qualquer autoridade formal. Numa situação dessas, como convencer os outros a assumir compromissos que durem além daquele momento geral de euforia?
Duas coisas me parecem importantes. A primeira é algo que venho matutando nesse exato instante para um livro que estou escrevendo: o poder do “nós”. Quando se veem como parte de um grupo maior, com uma identidade comum, as pessoas aceitam fazer coisas que não fariam se estivessem considerando só os próprios interesses. Estudos sobre isso são muito claros. Logo, o organizador teria de cultivar esse senso de propósito comum no momento.
Quando se dispersam, as pessoas voltam para o “nós” rotineiro — no caso, as empresas que tocam. Logo, é preciso garantir a mudança ao fazer com que as pessoas assumam publicamente um compromisso enquanto ainda estão juntas. É preciso perguntar o que irão fazer e, se possível, obter uma resposta por escrito.
Por que é importante botar tudo no papel?
Por algum motivo, as pessoas cumprem aquilo que está escrito: a impressão é que a decisão se torna mais consciente. Também é preciso pedir que assumam compromissos sobre os próximos passos e agendem outra conversa; a essa altura, já estarão prontas para descrever o progresso que fizeram. Pouco a pouco, o compromisso se torna mais concreto.
O que fazer para melhorar suas redes informais?
É aqui que a internet ajuda. É possível obter muita informação sobre os outros pela página no Facebook ou a conta no LinkedIn. Busque coisas em comum — vai ver que é correr, tricotar, a escola frequentada. Descobrir algo em comum ajuda muito, pois gostamos de gente como a gente; esse é outro princípio da influência. Se usar essa semelhança como ponto de partida, e se agir com sinceridade, você cairá nas graças dos outros, e passará a gostar deles. Agora, há gente disposta a fazer parte de sua rede devido a semelhanças que estavam sob a superfície.
Que conselho dar a alguém que não gosta de negociar em favor próprio e precisa se sair melhor nessa área? Estou pensando particularmente em estudos que sugerem que a mulher normalmente não pede o que quer.
Já trabalhei com Jeffrey Pfeffer, da Stanford, para investigar se é preciso um terceiro para defender seu lado numa negociação. Descobrimos que essa figura do agente ou defensor pode ser muito útil.
Ter uma figura dessas a seu lado traz dois benefícios quando, por exemplo, você está sendo considerado ou recrutado para um cargo. Uma delas é que você passa a impressão de ter mais prestígio se alguém defende seu nome. É o princípio da autoridade em ação.
O princípio da simpatia também tem seu papel. Se tiver de dar informações sobre si mesma, é comum a pessoa parecer que está enchendo a própria bola, o que causa má impressão nos outros. Na pesquisa que fizemos, descobrimos que se o defensor de um candidato fizer exigências fundadas nos méritos do mesmo, isso não prejudica o candidato. Já se o candidato defender a mesma coisa, prejudica. Essa postura desagrada o pessoal sentado do outro lado da mesa, que considera a pessoa cheia de si.
Isso é particularmente relevante para a mulher. Em estudos que fizemos, mostramos que a mulher que não é absolutamente modesta quanto a suas realizações é prejudicada em relações interpessoais. O homem também pode se prejudicar por ficar se gabando, mas todos esperam que seja agressivo. O prejuízo, em seu caso, é muito menor do que o da mulher.
Por causa dessa diferença, a mulher se sairá melhor em organizações nas quais os chefes estão acostumados a defender seus subordinados, onde a norma cultural é essa.
Toda organização tem minorias — gente considerada até certo ponto “diferente”. Esse “outro” tem dificuldade na hora de influenciar o pessoal a sua volta?
Sim, devido ao fator de semelhança que citamos lá atrás. Mas há um jeito de contornar isso. Essas características aparentes — raça, etnia, naturalidade estrangeira — se tornam irrelevantes quando há semelhança em termos de valores. Todo mundo quer trabalhar com gente que dá importância às mesmas coisas que nós — nossas prioridades no trabalho, ou mesmo fora dali. Logo, uma solução possível é estabelecer pontos comuns que não sejam imediatamente visíveis. Em geral, leva um tempo para que essas coisas sejam reconhecidas; uma saída para abreviar o processo é falar sobre valores de maneira mais espontânea.
Há tanta empresa globalizada hoje em dia. Que tipo de problema esse caldeirão de culturas traz para o processo de persuasão?
A boa notícia é que os seis princípios da influência parecem existir em toda cultura. São parte da condição humana. A má notícia é que o peso de cada um muda de cultura para cultura.
Em nossa pesquisa, descobrimos que, em culturas mais coletivistas e comunais, certas formas de convencimento surtem mais efeito. A prova social tem muita força. Se muitos de seus colegas estiverem fazendo algo, o ímpeto para que você faça o mesmo é muito maior do que para um indivíduo em culturas mais individualistas, onde a pessoa se guia por sua bússola interna e não segue o grupo na hora de decidir.
Fizemos, por exemplo, um estudo nos Estados Unidos e na Polônia, que tem um estilo mais comunal do que os EUA. Perguntamos a uma série de indivíduos se estariam dispostos a participar de uma pesquisa de mercado. Também perguntamos se tinham feito algo parecido no passado e se achavam que seus amigos tinham. Nos EUA, o fator de maior correlação com a participação das pessoas naquela pesquisa específica era se já tinham feito o mesmo antes. É o princípio da coerência. Na Polônia, era se as pessoas achavam que os amigos já tinham participado de uma pesquisa dessas no passado.
Um lugar-comum da literatura administrativa ocidental é que a organização de “comando e controle” está morta. Quando afirmamos algo assim nas páginas da HBR, nunca sei se faz sentido para o resto do mundo.
Há certas evidências a esse respeito. O Citibank fez a gerentes de vários países a seguinte pergunta: suponhamos que o projeto de outro gerente do banco esteja com dificuldades, e que essa pessoa peça sua ajuda. Ajudar vai consumir tempo e energia, talvez até recursos e pessoal. Em que circunstâncias você se sentiria mais impelido a dizer sim? Em Hong Kong e na China, a resposta foi “Eu me perguntaria se o gerente que está pedindo ajuda é ligado a algum superior da minha área”. O dever o levaria a dizer sim a alguém acima dele na hierarquia. Na Espanha, a resposta foi: “Eu me perguntaria se o gerente que está pedindo ajuda é ligado a algum amigo meu”. Aqui, não é o dever, mas a lealdade. É o princípio da simpatia. É preciso estar ciente dessas variações de ênfase em cada cultura a fim de otimizar sua eficácia.
Uma coisa que mudou desde que o senhor começou a estudar a influência é o espaço que a internet e as redes sociais passaram a ocupar na vida das pessoas. Quando não estamos falando ao vivo com alguém, essa coisa da influência muda?
As redes sociais abrem acesso a fontes de informação que no passado não tínhamos, mas não creio que tenham mudado nossa resposta a tentativas de exercer influência. Uma coisa que estamos vendo, porém, é que as pessoas começam a ser influenciadas pelos pares mais do que por especialistas.
Se pegarmos o TripAdvisor ou o Yelp, veremos que não são especialistas em turismo ou críticos de restaurantes que estão influenciando a decisão dos outros. É gente como eu e você, que agora pode relatar suas experiências.
Esse efeito da influência dos pares me faz lembrar do estudo que o senhor fez com hotéis que instavam o hóspede a usar a mesma toalha mais de uma vez. Embora apelar para o meio ambiente tivesse surtido efeito, o melhor mesmo foi informar o número de hóspedes que haviam reutilizado as toalhas.
É verdade. E em estudos posteriores que fizemos, o discurso que mais surtiu efeito não foi o que dizia que a maioria das pessoas que se hospedou no hotel tinha reutilizado as toalhas, mas o que dizia que a maioria das pessoas que havia ficado ali naquele quarto tinha reutilizado as toalhas.
Acho isso tão interessante.
Não é? Uma coisa que aprendi é que as técnicas mais primitivas de influência são as melhores. Uso “primitivo” aqui sem qualquer sentido pejorativo. O que está claro é que quanto mais local e personalizada a fonte de informação, maior a probabilidade de que as pessoas sigam a direção que queremos.
Seu interesse hoje está em que temas nessa área?
Uma questão importante é a durabilidade da mudança que produzimos. Em geral, não foi um assunto estudado. Junto com uma empresa chamada Opower, no entanto, estamos há quatro anos dando acesso às pessoas a informações sobre padrões de consumo de energia dos vizinhos. O último estudo indica que as pessoas seguem de olho nessa informação e estão ajustando seu consumo à luz dos dados. Temos de dar às pessoas um motivo para seguirem atentas — no caso, é a evidência sobre aquilo que os vizinhos estão fazendo —, para garantir que seu compromisso siga inabalado.
A outra questão que vem despertando meu interesse é a ética da influência, que ainda não foi examinada de forma rigorosa e científica. Quais as consequências de ser ético ou antiético? Naturalmente, sabemos que a reputação de uma pessoa — e sua capacidade de influenciar — é abalada se descobrirem que atropelou a ética, sobretudo dentro de uma organização. Só que esse fato não coíbe, necessariamente, a conduta menos que ética. Eis o porquê: as pessoas não acham que serão desmascaradas. Sobretudo nos escalões mais altos do poder, o indivíduo se sente blindado.
É por isso que estamos abordando a questão de outro ângulo, mais individual: existe um argumento básico para ser escrupulosamente ético em relações com clientes, fornecedores, autoridades e por aí vai? Nossa hipótese é que, se uma organização permite ou cultiva uma cultura de desonestidade
na relação com o mundo lá fora, o pessoal da organização que se sente incomodado com essa atitude vai puxar o carro — e, até lá, vai seguir incomodado e estressado. Já aqueles que se sentem à vontade com a desonestidade vão ficar. A certa altura, a organização vai estar cheia de gente que não tem nenhum pudor em ludibriar — e que vai enganar até a própria organização.
Junto com Adriana Samper (Arizona State University) e Jessica Li (University of Kansas), fiz uma série de experimentos para testar essa hipótese. Primeiro, montamos equipes e demos a certos membros motivos para achar que os colegas do projeto tinham conspirado para trapacear. Posteriormente, quando receberam um problema difícil de resolver, esses voluntários tiveram um desempenho consideravelmente pior do que aqueles que não tinham sido expostos à trapaça. Estavam estressados. Seu grau de preocupação era tal que isso afetava seu desempenho. Num experimento correlato, gente que podia optar por trabalhar ou não numa equipe desonesta, e o fazia de bom grado, trapaceava 50% mais vezes do que qualquer outra pessoa.
Ainda são resultados preliminares, mas suspeito que sejam um indicador decente daquilo que ocorre dentro de uma organização ao longo do tempo. Se uma organização decide agir sem ética com clientes ou fornecedores, vai acabar sendo enganada por gente que não se importa em trabalhar numa cultura desonesta. No final, a organização vai sentir o preço disso no balanço. Pode apostar.
Fonte: Harvard Business