Mediocridade volátil

Não é surpreendente que não tenhamos conseguido deflagrar um processo sustentado de crescimento desde o fim da hiperinflação

Há piadas que machucam. Uma delas é invocar o título do livro de Stefan Zweig e ironizar que o Brasil não só é o país do futuro como sempre o será. Afinal, o desempenho da economia brasileira nas últimas décadas tem sido mesmo desapontador. 

Este ano comemoramos três décadas do Plano Real, que marcou o fim (definitivo, esperamos) da hiperinflação. A hiperinflação era uma doença grave, cuja cura concentrava todas as atenções. A esperança era que, quando curada, abriria caminho para uma era de crescimento sustentado e redução da nossa enorme desigualdade. 

Como a luta contra a hiperinflação foi muito dura – o Brasil foi o último dos países que viveram hiperinflação nos anos 80 e 90 a acabar com esse mal -, quando afinal a conseguimos derrotar, tivemos a impressão de que o caminho futuro seria mais fácil. Mas não foi bem assim. Éramos como um time que parecia ter finalmente ascendido da segunda para a primeira divisão. 

Mas os problemas mal haviam começado. Havia desafios importantes em diversas áreas que tinham ficado desatendidas quando todas as atenções se encontravam voltadas ao combate contra o mal maior da hiperinflação. Corremos atrás e, sem dúvida, obtivemos muitos progressos, nos vários governos, da direita à esquerda, mas permanece a sensação é de que o enorme potencial do Brasil identificado por Zweig afinal ainda não foi devidamente aproveitado. 

Áreas fundamentais, como educação, saúde e segurança pública, continuam muito aquém do que se poderia almejar. Ao contrário de muitos países, nosso sistema educacional não funciona como instrumento eficaz para que o jovem pobre possa ascender de vida. No Rio de Janeiro, não bastassem os problemas relativos ao ensino, é frequente que aulas nas escolas da periferia sejam paralisadas devido a tiroteios. Isso sem contar crianças atingidas por balas perdidas. 

Os ganhos de produtividade, que constituem o motor do crescimento econômico, andam a passos de cágado, exceto no agronegócio e extração mineral. Com pouca inovação e protegidos da competição externa por tarifas injustificadamente elevadas, vários setores produtivos afastam-se cada vez mais da fronteira internacional. Em vez de investir em aumento a produtividade, é bem mais lucrativo fazer lobby por subsídios. Não é surpreendente que não tenhamos conseguido deflagrar processo sustentado de crescimento desde o fim da hiperinflação. 

Apesar de seu potencial, a economia brasileira, em meio a infindável recorrência de erros, não consegue deslanchar

É verdade que temos três décadas de inflação sob controle, em contraste com vizinhos importantes, como Venezuela e Argentina. O feito da conquista da hiperinflação, ainda que limitado, é fundamental para tentarmos ir além. Infelizmente, ao invés de darmos passos adiante, é cada vez maior o risco de retrocesso. 

A deterioração do quadro fiscal, iniciada no final do governo anterior e agravada no atual, vem ameaçando as bases do controle da inflação. O abandono do teto de gastos, substituído pelo atual arcabouço fiscal, indicava claramente que conter o crescimento insustentável dos gastos públicos havia deixado de ser a prioridade. Não chegava a ser o “gasto é vida” dos governos Dilma, que nos levou à longa e penosa recessão, mas mudava equivocadamente a ênfase para a expansão de gasto como base em aumento da arrecadação. Mau sinal. 

Mas mesmo isso durou pouco. Na segunda-feira, vimos que o arcabouço fiscal já teve que ser significativamente enfraquecido. Mesmo com as hipóteses róseas adotadas pelo governo, a dívida pública, já muito elevada, seguirá crescendo até o meio do próximo governo. As projeções de mercado são ainda mais pessimistas. O temor é de trajetória insustentável da dívida pública. 

A área econômica, recorrentemente derrotada dentro do governo, tem se desdobrado para tentar dar a aparência de que o dano ao arcabouço fiscal não será tão grande, e de que a dívida pública continuará sob controle. Mas se há algo que o mercado sabe fazer é conta. E, as contas não parecem bater. Dólar e juros já responderam negativamente. 

O presidente do BC reiterou que a política monetária fica muito mais difícil com a percepção de que a âncora fiscal deixou de existir. Mais ainda, como o atual presidente do BC (e mais dois diretores) serão substituídos no final do ano, cresce o temor de que os nomes indicados pelo governo possam ser de defensores de políticas irresponsáveis de juros baixos a qualquer custo, que já causaram grandes danos aqui e alhures. 

O exemplo da Turquia, onde o presidente do país guiava a política de juros baixos, é bem eloquente quanto ao estrago que tais políticas equivocadas podem causar. Lula não esconde sua resistência à autonomia do BC para conduzir a política monetária. Recentemente, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, permitiu-se classificar como “burra” a condução da política monetária. Tudo indica que não são infundados os temores que não só a política fiscal, mas que também a política monetária, esteja em franca deterioração. 

Eventos internacionais recentes têm contribuído para agravar o quadro de alta incerteza econômica. O Fed, que não vem obtendo o sucesso pretendido em reduzir a inflação nos EUA, sinalizou juros elevados por mais tempo. A conflagração no Oriente Médio eleva riscos para a economia mundial (além do desastre humanitário, é claro). Tudo isso afeta negativamente as perspectivas da nossa economia. 

Temos, assim, um crescimento medíocre em médio e longo prazos, aquém do desejável e do possível. E também volátil, por conta não só das incertezas internacionais, mas também das vulnerabilidades que criamos sozinhos ao insistir em velhos erros. 

Fonte: Valor Econômico